A gente sempre viveu um relacionamento muito conturbado.
Certo, na verdade, o começo de tudo até que era mais simples: quando te
conheci, pensei que seria moleza lidar com você. Eu precisaria apenas da minha
força de vontade: juntar dois carrinhos menos uma moto, duas bolas com uma
raquete de tênis, três cadeiras e cinco maçãs. Estava bem tranquilo e era até
um tanto divertido, lembra? Pensei que seria assim pela vida inteira.
Tolinha!
Surgiram outras dificuldades e elas eram cada vez
maiores. Eu queria muito conseguir ler aquela história da bruxinha e sua coruja
e saber, finalmente, o que acontecia com a princesa no topo da torre, ou
aprender as palavra em inglês, ou desvendar todos os mistérios que cercavam
aquele broto de feijão plantado no copinho plástico de café. Mas, bom, lá estava você, pedindo
para que eu resolvesse o problema da venda do Sr. José. Querendo que eu
solucionasse o caso das balas divididas da Mariazinha. Pedindo que eu
calculasse a quantidade de bolinhas de gude que o João poderia comprar com o
troco do pão.
O que eu tenho a ver com tudo isso?
As bolinhas de gude são do João! As balas, infelizmente,
também são só da Mariazinha. A venda do Sr. José, por sinal, também nunca
conheci, e, aliás, nem o próprio. Por que é que eu, justo eu (certo, e o
resto da minha classe também) tinha que resolver todas essas complicações?! Com
tantas outras coisas mais interessantes para se fazer? Vida injusta.
Comecei a te olhar com outros olhos. Você chegava e eu já
pensava “ih, lá vem a chata!”. Aà fazia de tudo para evitar os próximos
momentos que passarÃamos juntas. E eles passavam tão, mas tão lentamente…
Quando pensei que não tinha mais como piorar, você chegou
com os tais números negativos. Me enlouqueceu com suas probabilidades (eram
tantos devaneios que, se você tivesse um signo, certamente seria Peixes),
apareceu com as estatÃsticas e iniciou aquelas equações. Ah, o “x”. Mais um
pepino pra turma daqueles que não sabiam resolver os seus problemas.
Folgada, né?
Por conta disso, andei na corda bamba do mundo das notas,
sempre preocupada com a nossa situação delicada. Várias vezes pensei que não
poderia ir a alguma festa, participar de uma reunião de amigos, usar o celular
ou ligar o computador por culpa de suas avaliações, sempre tão cruéis. Por que
não me deixava em paz?
Achei que foi castigo quando você se juntou com a QuÃmica e a FÃsica para me dar aquele gelo. É sério, mal
acreditei quando descobri que vocês três andavam juntas. Consegui ver a
personificação do mal bem em minha frente. Era o fim. Quer dizer então que você
cresceu, amadureceu, formou a sua turminha e agora queria me espremer no
cantinho do corredor?
Certo… Mas, dessa vez, você não riria da minha cara.
Me fiz de forte e, olha, não é que até consegui
estabelecer uma certa amizade com a QuÃmica? Bom, simpatia forte nunca
houve de fato, mas conseguia me virar com ela! Com a FÃsica também foi assim,
embora depois de muito, muito esforço. Essa daà era um pouco mais complicada.
Acho até que era um pouco louca, mas né, a gente não fala nada pra não
contrariar.
Você sempre ficava ao lado das duas, cochichando jeitos
de complicar tudo, de deixar mais difÃcil, me dando o maior susto e me conduzindo
à estaca zero. Mas eu consegui passar por cima disso tudo. Acho que foi a
percepção de que vocês, de fato, não passavam de uma turminha marrenta,
que me fez ver que eu era maior e melhor do que isso. Por baixo de tantas
funções, matrizes, determinantes, senos, grandezas proporcionais e outras
coisas do tipo, estava uma chave imaginária, e bastava eu aprender, com
jeitinho, a forma correta de fazê-la girar.
E, aos poucos, este jogo foi me entretendo e tudo deixou
de ser uma chata obrigação. Ufa. E não é que você até ficou um pouco
legal? Assim, não
queria elogiar, você está longe de ser a pessoa mais incrÃvel do mundo, mas
passei a te curtir um pouco. Sua voz me disse que você era durona porque eu
realmente precisava passar por aquilo, enfrentar suas adversidades imaginárias
para, aqui fora, ter a bagagem necessária para bater de frente com aquelas que seriam reais.
É verdade. Depois da escola, não cheguei a te encontrar
tantas vezes. Segui pelo caminho de Humanas e, nas novas matérias, não precisei
relembrar de tantos dos nossos momentos. Mas, na vida, consigo perceber que
ainda conto com você no meu dia a dia. É claro, não é absolutamente tudo que
vimos juntas que aparece. Topamos em algumas avenidas, nos esbarramos nas lojas
e, de vez em quando, até saÃmos para almoçar. O passado me ajudou a ter um
raciocÃnio mais rápido e lógico, estimulou minhas descobertas, me fez valorizar
o meu esforço, mostrou o prazer contido nos desafios e ajudou em minha
concentração.
Sei que nosso caminho não foi nada fácil, mas queria te
agradecer. Muito obrigada por não desistir de me mostrar
que eu não podia desistir de você.
-Auana Sonsin